quarta-feira, 1 de abril de 2009

Memórias - Cap.3

Não foi uma conspiração contra Ema. Eu não queria magoá-la, apenas tirá-la da minha casa. Confiei em Dante para me ajudar nessa difícil tarefa. Naquela altura podia jurar que não havia melhor pessoa que ele. Fizemos um pacto de fidelidade. Rájia não gostou da minha proximidade com Dante, inventando muitas vezes tarefas para me manter ocupada.
« - Tenha cuidado com aquele rapaz. Não se esqueça de quem é filho » .
« - Rájia... »
Eu tinha curiosidade em saber.
« - Deseja alguma coisa? »
« - O que é o amor? »
Pensei que Rájia ia fugir à minha pergunta, inventar uma desculpa qualquer e deixar-me na ignorância. Mudei completamente de opinião quando a vi sentar-se na cadeira defronte à minha, envergando um ar pensativo. Gostava de observar as pessoas quando estavam distraídas. Os olhos pareciam ficar vazios, o corpo parado, a verdadeira essência transparecia.
« - O amor não é algo que se explique. Primeiro tem de o sentir. Tudo se torna diferente, o mundo é visto com outros olhos » .
Assimilei as palavras proferidas. No entanto continuava sem entender o seu verdadeiro significado. Se o amor era assim tão bom, tão feito de magia, por que razão Rájia tinha quase implorado para que não contasse a ninguém o que estava a fazer no celeiro? Na altura disse-me que não era nenhum crime.
« - O meu pai amava a minha mãe? »
« - Tenho a certeza que sim. Quando se ama alguém, aceitando tudo o que de bom e de mau tem, não há razão para se ser infeliz. E a sua mãe tinha um brilho nos olhos, uma alegria de viver quase inesgotável. Por outro lado o seu pai viveu sempre encerrado no silêncio mas tenho a certeza absoluta que foi muito feliz com a sua mãe. Especialmente depois do seu nascimento».
« - Gostava que o meu pai não fosse tão calado. Tenho medo que a solidão que transporta o torne amargo, ainda mais amargo ».
Naquela casa as pessoas passavam a vida a servir e a ser servidas. Durante as pequenas pausas em que ocorria uma transição, não existia um sorriso fugidio, uma palavra de agradecimento ou mesmo um olhar de soslaio. Um pai e uma filha, cara e coroa da mesma moeda, dois desconhecidos sobre o mesmo tecto.
Os soldados deixaram de marchar no soalho da casa. Mas ao contrário do que esperava, todos os dias o meu pai recebia correspondência do exército. O selo timbrado com o símbolo oficial não passava despercebido. Sempre me intrigou o facto de nunca se falar daquele assunto. Sim, o meu pai era comandante das tropas e tinha poder dentro daquele meio mas se era essa a sua função, por que não orgulhar-se de manter a paz e prosperidade na cidade?
« - Posso fazer-te uma pergunta? »
Os passeios pelo campo eram feitos a meio da tarde. Normalmente caminhava com Rájia, ela gostava de me contar uma história enquanto desfrutávamos da paisagem. Mas com a chegada de Dante, a sua companhia passou para segundo plano. Ele era algo calado, parecia guardar as suas reflexões para si mesmo e apenas as partilhar quando encontrava o momento propício. Fiquei algo curiosa quando naquela tarde, me dirigiu a palavra.
« - Claro ».
« - Gostas de viver assim? »
« - Gosto da Natureza, da paz deste lugar, de como o simples é belo » .
« - Não me referia a isso ».
« - Então? »
«- Gostas de viver nessa concha que te protege da verdadeira realidade? »
« - O que queres dizer com isso? »
« - Acho que não tens consciência daquilo que se passa. Que de alguma forma te prenderam num escudo onde a verdade não entra. Esconderam-te muitos segredos, muitas acções que passaram despercebidas quando deviam ter sido faladas e impedidas. Vendaram-te os olhos, trouxeram-te para locais bonitos e esqueceram-se que lá fora, na verdadeira realidade, o sonho já não existe. E não sei se será tarde demais para todos nós ».

(Viajante Solitária)

4 comentários:

Tiago Mendes disse...

Continua, continua, continua... achei o capítulo um pouco pequenino, por isso digo apenas que continuo a gostar... continua, continua, continua...

Unknown disse...

eu também quero ler mais :D

Anjo De Cor disse...

É bom navegar nas tuas palavras ;)
Obrigada pelas tuas palavras no meu blog ;)
Beijinhos e bom fds**

Marta Vinhais disse...

Está óptimo....Pode parecer tarde, mas o melhor é olhar para a frente e continuar...
Obrigada pela visita ao meu blog....
Beijos e abraços
Marta